À minha mãe...
Um poema de Miguel Torga, um poeta de que gosto muito, a assinalar a morte da minha MÃE. Faz amanhã, 1 de março, um mês. Apesar de a minha vida pessoal e profissional, a partir de certa altura, não me ter permitido viver perto dela, ia vê-la sempre que podia. Perder a mãe é uma falta irreparável. Sinto a falta dela como se a tivesse tido todos os dias da minha vida ao pé de mim. Que saudades, minha querida mãe...
Mãe
Mãe:
Que desgraça na vida aconteceu,
Que ficaste insensível e gelada?
Que todo o teu perfil se endureceu
Numa linha severa e desenhada?
Como as estátuas, que são gente nossa
Cansada de palavras e ternura,
Assim tu me pareces no teu leito.
Presença cinzelada em pedra dura,
Que não tem coração dentro do peito.
Chamo aos gritos por ti — não me respondes.
Beijo-te as mãos e o rosto — sinto frio.
Ou és outra, ou me enganas, ou te escondes
Por detrás do terror deste vazio.
Mãe:
Abre os olhos ao menos, diz que sim!
Diz que me vês ainda, que me queres.
Que és a eterna mulher entre as mulheres.
Que nem a morte te afastou de mim!
Miguel Torga, in 'Diário IV'