Sobre mim: o animal feroz.
Um dia, já há uns bons anos, um colaborador lá no emprego, grande admirador da forma como eu liderava a organização e geria o estaminé, numa reunião de trabalho teceu-me o que ele considerava ser um grande elogio: comparou-me a uma figura proeminente da vida política portuguesa à época, de quem era grande admirador. Adivinham quem? Esse mesmo: o animal (cada vez menos) feroz do José Sócrates, hoje fera em vias de poder vir a ser enjaulada. Confusões à parte, não sei se deveria ter ficado contente ou triste com o elogio. Mas eu percebi o alcance das suas palavras e, admirem-se, até apreciei a comparação.
Bem, o que é certo é que hoje me sinto cada vez menos feroz. Como ele, por motivos bem diferentes (descansem!), continuo a estrebuchar, a esbracejar para me manter à tona. Mas começa a ser muito difícil. Sinto-me uma presa acossada, rodeada de predadores, numa selva hostil. Dias e mais dias de situações difíceis sucedem-se e elas têm-me sugado todas as energias, implacáveis. Chego impreterivelmente a casa ao fim do dia, dia sim dia sim, com vontade de me deitar no quarto às escuras e desligar do mundo. Mas continuo. Tem que ser. Muitas pessoas dependem de mim. Só mais o jantar e mais um sermão aos miúdos e não me posso esquecer que tenho que lhes retirar o telemóvel e outras distrações porque estão a desperdiçar tempo útil de estudo. Não posso desistir dos meus filhos. Deles, não me demito. E no dia seguinte, levanto-me e enfrento mais um dia com normalidade aparente, repetindo a mim própria que tenho que ser forte. Nunca fui de desistir de nada, não vai ser agora. E vou a caminho do trabalho e penso no que me poderá estar reservado neste dia. Um dia de cada vez. Mas estou esgotada. Queria poder abraçar a minha mãe.
Talvez só me faltem amigos tão fiéis como os do Sócrates, que me oferecessem umas férias num destino paradisíaco por tempo indeterminado. Mas talvez aí resida uma das grandes diferenças entre nós... Não tenho amigos dessa envergadura.
Isto não é uma lamúria. Sou só eu a pensar em voz alta. Na volta, se calhar é só o inverno que já vai demasiado longo...