Conversas de circunstância (ou alarvidades discursivas e outras estórias)
Tenho dificuldade em lidar com alguns traços de personalidade de certas pessoas que vão cruzando o meu caminho: a hipocrisia, a falta de pensamento sistémico, a incapacidade para se colocar no lugar do outro, o culto da aparência, a mentira, a falta de bom senso e a subestimação da inteligência alheia, por exemplo, mexem com o meu sistema. Às vezes vêm todas num único pack, ainda por cima.
Já aqui falei, por alto, sobre uma característica que tenho, modéstia à parte, que é a perspicácia e sensibilidade que me permitem dissecar o que é dito pelas outras pessoas e, quando é caso disso, desferir um golpe rápido em reação a muitas das alarvidades que oiço. Sou rápida no gatilho, o que faz com que quem me conhece me descreva como tendo a resposta na ponta da língua ou sendo frontal e direta na abordagem a muitos assuntos. Nada de rodeios. O que é, é! Acho que são as minhas duas costelas minhotas. Apesar de não se poder generalizar, no norte, por norma, é-se mais genuíno, terra-a-terra, o que por vezes também quer dizer que se é mais rude, bruto, mas também mais honesto e verdadeiro. No norte não se aceita tão facilmente aquele tipo de conversa de circunstância em que as pessoas douram a pílula dizendo o que pensam ser suposto dizer e o que pensam que deve ser ouvido. Aquelas conversas que me enervam sobremaneira, em que ninguém está a ser sincero, em que me parece óbvio que toda a gente envolvida percebe isso, mas age com hipocrisia, fingimento. E tudo só para parecer bem. Tirem-me desse filme! E lá está, às vezes marco a diferença dando um “abanão à conversa” e trazendo as pessoas de volta à realidade. É mais forte que eu… Mas normalmente faço isso com inteligência, algum humor e ironia à mistura. Quando se dizem as verdades com uma gargalhada no fim, do tipo “estava só a brincar”, elas são melhor aceites. Ou seja, desarma-se o interlocutor, que normalmente percebe o objetivo da coisa e encaixa. Psicologia barata, é o que é! (Já mencionei que também já me disseram que poderia ter sido psicóloga, que tinha jeito? Pois é…)
Bem, ser como sou não deve ser muito mau, porque já várias pessoas que me conhecem me disseram que gostariam de ser como eu, nesta característica de não ter papas na língua. Por acaso, este é talvez o único caso em que esqueço o politicamente correto. O facto de não gostar que subestimem a minha inteligência, obriga-me variadíssimas vezes a desmascarar hipocrisias, a repor a verdade em relação ao que é dito. Muitas vezes situações de hipocrisia perfeitamente gratuita! É mais forte que eu! Sinto que essa minha característica faz as pessoas temerem a minha perspicácia, em muitas circunstâncias, o que também não é mau...
Mas também acontece que às vezes não vale a pena o trabalho. Recentemente foi um desses casos.
Situação:
Um conhecido, que por acaso até admiro por ser voluntário numa associação de solidariedade social (tem felizmente a disponibilidade permitida por uma reforma precoce por invalidez aos 40 e tal anos, apesar de ser hoje uma pessoa perfeitamente capaz) fez uma afirmação daquelas que me deixa a ferver. Disse ele que já estava cansado da sua atividade na tal associação porque, palavras dele: “Já tenho 57 anos! É muita idade!”. What the fuck?!? Então e o resto de nós, que temos que trabalhar mais vinte anos do que ele? Eu até aceito que ele esteja cansado, que eu tenho 44 anos e às vezes estou de rastos. Mas lá está, acho que de acordo com o contexto pessoal, ele deveria ter um bocadinho mais de pudor em falar daquela forma. Que indignada que fiquei! Apesar disso, contive-me e escolhi não dar um par de coices dos meus, à moda do norte…
Hoje, neste final de dia, enquanto preparo o jantar, deu-me para isto! Coisas minhas, que não bato lá muito bem…
Realmente é verdade! Não sei quem foi, mas houve alguém que disse, a meu ver com toda a propriedade: “Nós não vemos a realidade como ela é! Nós vemos a realidade como nós somos!”. Acertadíssimo! E esta máxima, obviamente, também se aplica a mim.