A propósito dos planos de contingência acionados para os sem-abrigo...
Não há dúvida de que é uma medida importante, é de louvar. Já que a triste realidade de haver pessoas que não têm um teto para dormir existe, há que acionar todas as ações possíveis para que seja menos penoso para aquelas pessoas sobreviver ao frio intenso que se tem feito sentir.
Mas deixem-me dizer que é tão triste que haja necessidade disso! É tão angustiante para mim! E imagino-me numa situação dessas e penso: foda-se, será que quem dorme na rua, só agora é que sente frio? Então e na semana passada e nos últimos meses, tem estado calor à noite, é? E só faz frio em Lisboa e no Porto? Merda Raio de organização económica a da nossa sociedade, em que uns têm tudo e outros não têm nada...
Que triste realidade a dos "ninguéns" privados de direitos, discriminados, excluídos, de que fala Eduardo Galeano. Uma realidade presente aqui e em todos os cantos deste mundo tão injusto e cada vez mais desumanizado. Vale a pena ver, ler e ouvir, na voz do próprio autor. E parar para pensar um bocado nisto... mesmo já tendo passado a época do Natal em que somos sempre todos tão solidários e caridosos.
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"As pulgas sonham em comprar um cão, e os ninguéns com deixar a pobreza, que em algum dia mágico de sorte chova a boa sorte a cântaros; mas a boa sorte não choveu ontem, nem hoje, nem amanhã, nem nunca, nem uma chuvinha cai do céu da boa sorte, por mais que os ninguéns a chamem e mesmo que a mão esquerda coce, ou se levantem com o pé direito, ou comecem o ano mudando de vassoura.
Os ninguéns: os filhos de ninguém, os dono de nada.
Os ninguéns: os nenhuns, correndo soltos, morrendo a vida, fodidos e mal pagos:
Que não são embora sejam.
Que não falam idiomas, falam dialetos.
Que não praticam religiões, praticam superstições.
Que não fazem arte, fazem artesanato.
Que não são seres humanos, são recursos humanos.
Que não tem cultura, têm folclore.
Que não têm cara, têm braços.
Que não têm nome, têm número.
Que não aparecem na história universal, aparecem nas páginas policiais da imprensa local.
Os ninguéns, que custam menos do que a bala que os mata."
Eduardo Galeano, in O Livro dos Abraços