Blogue pessoal que aborda o universo feminino, maternidade, adolescência, resiliência, luta e superação do cancro, partilha de vivências, vida familiar e profissional... e alguma reflexão com humor à mistura.
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As raparigas do Norte têm belezas perigosas, olhos verdes-impossíveis, daqueles em que os versos, desde o dia em que nascem, se põem a escrever-se sozinhos. Têm o ar de quem pertence a si própria. Andam de mãos nas ancas. Olham de frente. Pensam em tudo e dizem tudo o que pensam. Confiam, mas não dão confiança.
Olho para as raparigas do meu país e acho-as bonitas e honradas, graciosas sem estarem para brincadeiras, bonitas sem serem belas, erguidas pelo nariz, seguras pelo queixo, aprumadas, mas sem vaidade. Acho-as verdadeiras. Acredito nelas. Gosto da vergonha delas, da maneira como coram quando se lhes fala e da maneira como podem puxar de um estalo ou de uma panela, quando se lhes falta ao respeito. Gosto das pequeninas, com o cabelo puxado atrás das orelhas, e das velhas, de carrapito perfeito, que têm os olhos endurecidos de quem passou a vida a cuidar dos outros. Gosto dos brincos, dos sapatos, das saias. Gosto das burguesas, vestidas à maneira, de braço enlaçado nos homens.
Fazem-me todas medo, na maneira calada como conduzem as cerimónias e os maridos, mas gosto delas. São mulheres que possuem; são mulheres que pertencem. As mulheres do Norte deveriam mandar neste país. Têm o ar de que sabem o que estão a fazer.
Hoje venho carpir as minhas mágoas. Tenho saudades de ir ao Minho. Sinto falta. Não vamos lá desde a Páscoa. Com filhos em idade escolar é difícil encontrar um fim-de-semana prolongado, sem testes, para podermos ir lá acima. Ainda para mais, no final do ano letivo... É assim...
Ainda fiquei mais desacorçoada quando recebi boas novas sobre a produção frutícola da nossa quintinha. A senhora que me faz alguma manutenção do jardim e limpezas esporádicas à casa foi lá e colheu os frutos da época que lá temos: nêsperas e cerejas, dois dos meus frutos preferidos. Biológicos! E a querida enviou-me fotos. Vejam só esta maravilha:
Só tenho é pena de não poder colher eu própria os frutos. E degustá-los também, já agora. Mas já fico feliz por não se estragarem nas árvores. Ai que pena! Ai que saudades!
Hoje umas confissões e, ao mesmo tempo, um pedido. Pode ser? Sim? Sim?... Não? (Lá vem esta com as neuras dela e logo à segunda-feira! Só nos faltava isto agora...) Então está bem, eu conto-vos tudo.
Depositei muitas expetativas nestes dias cá em cima. Agora que cá estou, ainda sinto mais profundamente essa vontade de que esta curta estada valha muito a pena. Estou mesmo assoberbada com essa ideia. É por isso que hoje não me apetece cumprir a rubrica habitual de segunda-feira. Peço desculpa, mas hoje só me apetece "gritar" que finalmente estou longe da rotina e de alguns, só alguns, dos problemas que me têm vindo a sugar todas as energias. Serão só dois dias, mas é melhor que nada.
Se não conseguir vir aqui com regularidade, hoje e amanhã, é porque estou a tentar recuperar alguma sanidade mental e a alegria que me têm vindo progressivamente a abandonar nos últimos tempos. Tenho andado insuportável, vocês é que não sabem. Não tem sido fácil conviver comigo ultimamente. Nem eu já me aguento... Também é certo que a vida não me tem facilitado nada! Enfim...
Entao, já sabem. Hoje e amanhã estarei obsessivamente a respirar estes ares do norte, a absorver estes cheiros (os que a rinite me permitir, essa p#¥@ que, juntamente com a sua parceira asma, me persegue para todo o lado e até me retira o olfato). Estarei a tentar recarregar baterias para voltar a ser a pessoa combativa e resiliente que sempre fui, naturalmente, sem forçar, como começa a acontecer.
O Minho recebeu-me molhado e em tons de cinzento (grey, estão a ver?). Pronto, assim fica o apontamento, muito bem conseguido (cof cof cof), sobre o tema que era devido, ainda que a minha intenção fosse literal, como se pode ver na foto. Faz de conta que estamos perante uma mensagem subliminar. Só que não estamos, a sério que não estamos. É mesmo chuva, também ela a lembrar que estou no Minho. Pode ser que seja isso que falta para lavar as más ondas e vibrações da minha vida.
Ontem à noite regressámos a casa, depois de uma semaninha no Minho, que voou. Foram dias muito agradáveis e que me renovaram as energias para iniciar o ano da melhor maneira. Foram dias em que desliguei mesmo do trabalho e das inerentes ralações.
Costumamos passar tanto o Natal como o reveillon em família, lá em cima. E eu adoro que assim seja. Este ano, no entanto, vamos passá-lo entre amigos. Decidimos que seria assim, embora com alguma relutância. Bem, a bem dizer, cedemos às pressões do nosso miúdo que, vejam bem, tem uma festa organizada na casa de amigos hoje à noite. E também porque poderá ser o seu primeiro momento romântico (estará lá a sua "namoradinha") e temos que facilitar o amor, não é?
E assim, pela primeira vez, não passarei o ano com as duas crias ao pé de mim. Não darei os primeiros beijos de 2017 aos meus três amores em primeiríssimo lugar e à restante família. É a vida a tomar o seu rumo...
E é isto! Deixo-vos com duas imagens da minha semana no norte: um primeiro plano da minha prenda de Natal e um pormenor do meu cantinho rodeado por vegetação, com o diospireiro do qual retirámos os primeiros frutos. Também viémos carregados de nozes e clementinas. Terra abençoada, a minha!
Há acontecimentos e vivências da nossa infância que escolhemos esquecer e apagamos da memória (ou gostaríamos que isso acontecesse), e esses são importantes e estão na base da construção daquilo que é a nossa essência. Há também aquelas vivências que permanecem connosco durante toda a vida, e essas estão igualmente na fundação do nosso ser. Umas e outras, matizadas pelas pessoas que lhes conferiram matéria, são, para o bem e para o mal, os alicerces da nossa existência.
Há lembranças que mantemos ao longo da vida por vezes sem sabermos, uma vez que ficam adormecidas no mais recôndito do nosso ser durante muito tempo. Mas, a certa altura da nossa história, sem aviso, há um acontecimento, uma frase, um click que nos transporta novamente para lembranças que julgávamos esquecidas.
Curiosamente, hoje em dia a fruta não é um elemento suficientemente presente na minha alimentação (algo que tenho que tentar mudar, eu sei!). No entanto, algumas das memórias da infância que guardo com mais carinho envolvem, imagine-se, fruta. Figos, cerejas, maçãs, uvas, marmelos são alguns dos elementos que me remetem aos meus primeiros anos de vida. Importa dizer que relevantes foram também as árvores que produziam esses frutos, mas nenhuma subsiste hoje. Sucumbiram há muito à idade e às investidas do betão.
Nasci e cresci numa vila minhota, linda como só as terras e paisagens do Minho são… pelo menos para mim. Cresci livre, com poucos brinquedos mas com muita imaginação e criatividade, em comunhão com a natureza, de uma forma que os miúdos de hoje não vivenciam. De uma forma que os meus filhos pouco vivenciaram… Tinha que inventar as minhas próprias brincadeiras e encontrar os “brinquedos” que me faltavam no ambiente que me rodeava.
Uma das minhas brincadeiras preferidas era subir às árvores. Comigo lá, elas transformavam-se em casas, e os ramos eram as escadas e as mobílias, e as folhas eram muitas vezes o dinheiro que eu não tinha. Era lindo o mundo visto de cima das minhas árvores.
As primeiras árvores de que me lembro e que marcaram a minha infância encontravam-se ambas no quintal dos meus avós paternos, com quem eu passei muitas horas dos meus dias antes de frequentar a escola, enquanto o meu pai trabalhava e a minha mãe se ocupava das lides domésticas e das hortas.
Uma delas era uma macieira velhinha, pequena e carcomida (a esta eu não podia subir!) que dava umas maçãs pequeninas que eu adorava comer mesmo verdes, enquanto a minha mãe dizia invariavelmente que me iriam fazer mal à barriga.
A outra era uma figueira frondosa, mas também muito velha e com ramos pesados, que a certa altura dobraram e partiram a árvore ao meio. Uns anos depois da macieira, acabou esta também por perecer, ainda durante a minha juventude. A esta figueira eu subi inúmeras vezes, comi centenas dos seus figos e pendurei-me dezenas de vezes nos seus galhos robustos e dobrados pelo peso e pela idade. Hoje em dia, sempre que vejo uma figueira, lembro-me desta, a minha figueira. Lembro-me muito bem de um episódio que se passou junto dela, apesar de ser bem pequena quando aconteceu. Houve uma fase em que eu tive a mania de revirar os olhos. Fazia isso deliberadamente, ficando a parecer estrábica. Achava piada, vá-se lá entender!? Nesse dia, estando a apanhar figos com o meu pai e tendo ele avisado para eu não fazer aquilo aos olhos, numa atitude irreverente e ao mesmo tempo ingénua pensei ter escondido a cara da sua vista e persisti em revirar os olhos. Mas ele viu e deu-me logo ali um corretivo, não tanto por ter revirado os olhos, mas mais por lhe ter desobedecido. Nem tive tempo de antecipar a merecida bofetada a estalar na minha cara. Acho que nunca mais revirei os olhos… Este é um episódio que, pelo seu simbolismo e significado, me marcou e nunca me abandonou… Eu própria hoje tenho dificuldade em conceber que os meus filhos não aceitem um conselho ou uma ordem minha cujo objetivo seja protegê-los.
Havia também uma cerejeira altíssima, como era usual encontrar no norte, num quintal separado da casa dos meus avós por um caminho estreito e onde cultivavam batatas, favas, ervilhas, feijão verde e outros legumes . No norte permitia-se às arvores crescer em direção ao céu, encontrando-se assim muitas árvores exageradamente grandes, o que dificultava a apanha da fruta. A esta, por ser tão alta, raramente se colhiam as suas saborosas cerejas, que eu adoro. Era sempre o meu pai que subia à cerejeira com a ajuda de uma escada comprida e, como o fazia com pouca frequência, esse momento era especial, vivido com alegria, em que toda a família aguardava cá em baixo ansiosa para degustar as benditas cerejas. Comia-as com satisfação (ainda hoje é um dos meus frutos preferidos), mas com elas eu também brincava fazendo brincos de princesa, sempre que encontrava raminhos bifurcados com duas.
Os marmeleiros! Estas foram as árvores que mais vezes me hospedaram, mesmo pela adolescência fora. Eram dois ou três, num quintal onde hoje há um prédio e que a minha mãe cuidava e onde plantava os legumes para o nosso consumo próprio e alguns, poucos, para vender na praça à quinta-feira e ao sábado de manhã. Era para lá para cima que eu me esgueirava na esperança vã de que a minha mãe se esquecesse de me chamar para ajudar na horta. Foi lá em cima que eu li incontáveis livros. Eu sempre gostei de ler. Devagar, sem pressas, quase sempre com pena de chegar ao fim por não ter nenhum que ocupasse a seguir o lugar do anterior. Ainda hoje leio devagar e fazem-me confusão as pessoas que abocanham os livros e os devoram. Eu cá saboreava-os, mastigava-os, viajava através deles, sonhava. Muitas vezes, fiz tudo isto acomodada num marmeleiro. Havia um deles que tinha ramos mais confortáveis, ainda me lembro. Quanto aos marmelos, gostava e gosto de os comer crus, do seu sabor agre e da sua aspereza, mas também da marmelada e geleia que a minha mãe fazia e que hoje eu e a minha irmã também fazemos. É engraçado que ambas, como a minha mãe, guardamos um stock imenso destes doces, que acabam por atravessar todo o ciclo de vida anual dos marmelos. Quando, pelo outono, amadurecem os marmelos, ainda nós conservamos marmelada do ano anterior. A geleia não é tanto o meu forte, mas a minha irmã dominou a técnica da minha mãe na perfeição.
Das vinhas não tenho recordações muito boas, assim como das oliveiras, confesso. Fui desde cedo obrigada a ajudar nos trabalhos domésticos e do campo, e bem assim também nas vindimas e na apanha da azeitona. Tanto eu como a minha irmã, que foi sempre também, aliás, a minha companheira de “trabalho” e de brincadeiras. O que eu odiava a vindima! As vinhas altas do Minho, em latadas, obrigavam (e obrigam) a um esforço físico muito maior, a subir e descer escadotes milhentas vezes, a olhar para cima até ganhar dores no pescoço e tonturas. Foi numa vindima, com os meus 14 anos ou menos, que devido a mal-estar menstrual, um dia, inesperadamente perdi os sentidos e caí estatelada no chão. Se bem me lembro, esta foi uma das duas únicas vezes em que desmaiei, em toda a vida. A outra foi também na adolescência, sentada à mesa numa refeição, a (não) comer – consequência de uma dieta drástica e irracional.
Bem, por hoje chega de regresso ao passado. Na realidade, considero que carrego demasiado passado no meu presente…
(Só mesmo eu para falar de árvores e frutos, quando recordo a infância. Mas que foram importantes para mim, foram! Tão importantes que quero que a sua memória perdure para além de mim… que um dia os meus filhos leiam estas memórias aos seus próprios filhos…)
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