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M(ã)emórias da Maria Mocha

Blogue pessoal que aborda o universo feminino, maternidade, adolescência, resiliência, luta e superação do cancro, partilha de vivências, vida familiar e profissional... e alguma reflexão com humor à mistura.

M(ã)emórias da Maria Mocha

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Na loja de roupa ("Alservando"... #4)

Estão a ver estas unhas? Não, não são minhas. Felizmente não tenho assim tanta comichão no corpo que precise de umas unhas destas para me coçar. Sim, porque olhando para estas unhas só me lembro de que este novo estilo de unhas é inspirado naquela moda dos pintas com unha grande do dedo mindinho usado para coçar os sítios mais recônditos do corpo. Generalização aos outros dedos e apropriação pela mulher, é do que se trata.

 

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Confesso que não gosto nada destas unhas em stiletto. Gosto muito de ver umas unhas pintadas (embora eu não o faça), mas isto assim em bico? Não! Parecem armas de defesa pessoal. Questiono-me sempre como é que as mulheres com estas unhas conseguem fazer as tarefas mais básicas. Desculpem lá, mas até para limpar o cu deve ser uma carga de trabalhos! 

 

Recentemente tive a prova de que não estava enganada.

 

Quero contar-vos um episódio que se passou comigo no último fim-de-semana, numa loja de roupa, no Colombo. Já imaginam do que se trata. A rapariga da loja tinha umas unhas enormes, ainda bem mais compridas que estas, e com este feitio. Podem já imaginar-me de boca aberta a "alservar" aquilo enquanto me preparava para pagar a camisola gira que lá comprei. 

 

Quis pagar com o cartão, mas a rapariga deu por falta de papel na máquina. Começou ali a penosa e demorada tarefa de substituir o rolo de papel. Enrola e coloca. Solta-se. Enrola novamente. Solta-se. Até que:

 

"Importa-se de me enrolar isto? Eu não consigo enrolar bem por causa das unhas." 

 

Poderia ter-lhe perguntado se isso daria desconto na peça, mas como sou simpática:

 

"Sim, claro. Está a ver o preço a pagar por ter unhas dessas?" 

"Nem me diga! É uma chatice! E a manutenção é uma trabalheira. E..." 

 

Enrolei aquilo à primeira, claro. Tenho dedos funcionais, digamos. Mas passaram-me vários pensamentos pela cabeça, entre os quais:

 

O que leva alguém a manter umas unhas incapacitantes daquelas, com prejuízo do próprio trabalho, tendo inclusive o desplante de pedir a uma cliente para fazer o trabalho por si?

Como raio é que se limpa o cu com umas unhas daquelas, sem perfurar o intestino?

 

E pronto. Tenho esta tendência para vos deixar com imagens destas na cabeça. Nunca mais olharão para unhas destas sem imaginar o esforço da pessoa naquele ato de higiene pessoal.  

 

 

No hotel de luxo ("Alservando"... #3)

Não há nada a fazer! Em qualquer lado que esteja é inevitável observar tudo ao meu redor. Por isso é que nunca fui capaz de ser como aquelas pessoas que levam sempre um livro consigo para ler nos momentos em que estão à espera de algo ou alguém, ou nas viagens de transportes públicos. Admiro-as por isso. Nos transportes, então, é que eu não entendo mesmo como conseguem concentrar-se num livro, com tantas vidas e estórias a passar em frente aos nossos olhos. 

 

Há uns dias acompanhei o M a um evento social em Lisboa, a convite de uma alta individualidade. Sim, o M é muito bem relacionado... E lá fui eu cumprir um daqueles papéis que me cabem de vez em quando, em que não estou lá por mim, mas porque sou a mulher dele. Um complemento, um adorno, portanto. E um papel muito pouco feminista também, agora que penso nisso...

 

Bem, adiante. Antes do evento que aconteceria ao final do dia, o M tinha uma reunião de trabalho num hotel, o que significou que eu teria que esperar no lobby por ele umas duas horitas. E foi o que aconteceu. E digo-vos uma coisa: no lobby de um hotel de 5 estrelas também se pode "alservar" muita coisa. Oh, se pode! 

 

À entrada, a abrir a porta, dois ou três funcionários fardados, incumbidos de fazer os visitantes sentirem-se muito VIP. Entramos, o M segue para a sua reunião e eu sento-me num dos sofás que lá se encontram, tão fofos tão fofos que chegam a ser desconfortáveis porque a pessoa parece que fica com o rabo ao nível do chão, todo ele lá enfiado. Mal tive tempo de me sentar, olhei em frente e, a um metro de mim, já tinha a empregada do bar a perguntar se queria tomar alguma coisa. "Não, obrigada. Talvez mais daqui a bocado". Só que nunca pedi nada, não fosse ter que pagar o meu ordenado por um copo com água. 

 

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Havia algum movimento. Parece que os hotéis de luxo não foram afetados pela crise. No tempo que ali estive, circularam vários grupos de pessoas:

 

três portugueses à volta de uma mesa, em que só um é que falava impingindo um negócio de forma bastante persuasiva e competente, por sinal; 

o que parecia uma família de franceses, muito animados;

numa outra mesa, três homens portugueses, mais velhos, pareciam esperar por alguém, tal como eu.

 

A todos a empregada de bar se dirigia quase instantaneamente, solícita, a oferecer os seus préstimos, na língua de cada um. Certamente mais uma jovem com curso superior que não encontra emprego na área dela... 

 

Vindo talvez do restaurante, surgiu um grande grupo de jovens de língua inglesa. Dois deles sentaram-se perto de mim a conversar. Comentavam o conforto dos sofás, que relacionavam, de uma forma que não me foi clara, com a "spanish inquisition". Sim, leram bem. A vontade que tive de lhes dizer que estávamos em Portugal e não em Espanha! Para os "camones" é tudo a mesma coisa...

 

Mais tarde, estava eu regalada a observar o movimento lá fora, pelas janelas envidraçadas, quando surge um belo de um carrão daqueles "agachados", descapotável. Reparei então no motorista do hotel, no seu uniforme impecável, com sobretudo e quepe, que se assemelhava a um agente da gestapo. Um agente da gestapo que não hesitou em coçar os tintins em frente ao hotel de 5 estrelas, enquanto contornava o veículo para entrar e ir provavelmente estacioná-lo. Até parou a meio do percurso e afastou um bocado as pernas para executar os movimentos. Mal ele sabia que lá dentro, através das janelas de vidro, estava uma "alservadora" implacável. 

 

Cansada de esperar, levantei-me para esticar as pernas. Dei uma volta pelas montras das lojas do hotel e aproveitei para ir à casa de banho. Já se sabe que qualquer mulher, para fazer xixi, enche o tampo da sanita de papel higiénico por causa dos micróbios. E ali, mesmo num hotel de luxo, o procedimento foi o mesmo. Acredito que não entrem ali "mulheres da vida" com doenças venéreas, mas sei lá se não é frequentado por acompanhantes de luxo... Estão a ver o meu drama?! Bem, como sempre, tive uma trabalheira para equilibrar o papel, sem que caísse tudo ao chão. Habituada a casa de banho de pobre, como é que eu ia imaginar que existia gel para desinfetar a sanita, que eu só vi depois? Da mesma forma, como iria imaginar que a torneira da água com doseador não dava tempo para lavar as mãos? Um hotel de luxo cuja água das torneiras corre o tempo que vai do momento em que pressionamos para deitar água até ao momento que levas essa mesma mão para debaixo da água, mas sem conseguir lá chegar. Ou seja, a mão que pressiona não pode ser lavada, a não ser que façamos o procedimento em regime de rotatividade. Uma mão a pressionar enquanto a outra se lava sozinha e troca. 

 

E o que retiro da minha curta estada num hotel de luxo? Que afinal o mundo dos ricos não é assim tão diferente do dos pobres. Aqui coçam-se os tomates, há pessoas ignorantes da História mundial e poupa-se na água. Só o gel desinfetante de sanitas é que não se vê por aí em qualquer pensão. 

 

 

 

Domingo na bola ("Alservando..." # 2)

No domingo, a seguir ao almoço, decidimos ir ver o jogo do Benfica com o Nacional. Todos os anos vamos ver pelo menos um jogo do glorioso. E aí vai a gente, toda lampeira, quase em cima da hora e sem saber se haveria bilhetes disponíveis nas bilheteiras. Bem, sabíamos que na "candonga", às portas do estádio, costuma haver...

 

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Apanhámos algum trânsito ali ao pé deste grandioso edifício que podem ver na imagem acima. Afinal, a malta não vai a Lisboa só para ver o Benfica, que isso é para os adeptos fanáticos. Com o trânsito no "para arranca" ainda deu tempo para tirar uma fotografia a este outro grande edifício. Não se vê muito bem, porque está um bocado tapado pelo prédio aqui em frente, mas digam lá se o edifício... da NOS não é bonito! 

 

E lá chegámos a tempo ao estádio da luz. Afinal havia bilhetes nas bilheteiras. E conseguimos sair vivos das investidas dos vendedores de autocolantes e cachecóis. Uma senhora espetou-me um autocolante ao peito e pediu-me uma moeda, ao que eu respondi que não lhe tinha pedido autocolante nenhum. Arrancou-me aquilo com uma gáspea que só visto! Fiquei também a saber que a frase "A culpa é do Benfica" já domina os cachecóis à venda a 5€. Ser tricampeão aparentemente já não chega para os cachecóis... 

 

Lá dentro, durante o jogo, nada de novo: um público que vai para ali aliviar a tensão acumulada, com "foda-ses" e "cabrões" e "filhos da puta" e assobios sempre que há alguma decisão do árbitro contra o Benfica. Passei o jogo a levar com os impropérios e o fumo do tabaco de um indivíduo mesmo à minha frente. Ao lado dele, uma senhora também muito fumadora que só sabia dizer numa voz esganiçada muito provavelmente aquilo que ela conhece do futebol, que é que se chuta uma bola. Sempre que um jogador do Benfica tinha a bola, "chuta chuta chuta" e "aiiiii" e "iiihhhh" e "ohhhh", e levantava o braço numa espécie de saudação nazi sempre que em uníssono se ouvia "Benfiiiiica". 

 

Ó ali em baixo um dos cigarros assassinos! A voz assassina da mulher está mesmo ao lado, mas é baixinha, não se vê. A mulher, claro! A voz era outra estória... Ainda hoje ecoa nos meus ouvidos. 

 

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Isto para dizer que cada vez me convenço mais que a maior parte das pessoas não vai ao futebol pela beleza do desporto em si, mas sim para obter um conforto de ver a sua equipa ganhar. E se não ganhar, pelo menos é uma forma de descarregar o stress. Parece uma batalha campal. Uma arena romana, onde lá em baixo lutavam os gladiadores e o povo assobiava e apontava a mão fechada com o polegar para baixo de vez em quando ao coitado do árbitro, como se fazia quando se desejava a morte do gladiador derrotado, em pleno império romano.

 

Eu aprendi a gostar de futebol vendo os jogos do meu filho ao fim-de-semana, desde os seus seis anos. Aliás, desde pequena convivi com futebol porque o meu pai levava-me à bola ao domingo, de vez em quando. Mas não gosto nada destas coisas que dominam o futebol. Quanto ao Benfica, ganhou por 3-0, como sabemos, e voltou a liderar a tabela. Vamos lá ver se se aguenta lá até ao final do campeonato. Espero que sim. Mas não sonho com isso de noite...

 

 

 

 

Quando o trabalho me persegue no fim-de-semana.

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 (Fonte na imagem)

 

A natureza humana continua a surpreender-me. Cada vez mais estou convencida que as pessoas só olham para o seu próprio umbigo, só o seu interesse pessoal importa. 

 

A funcionária da contabilidade lá da chafarica concorreu a outro emprego e foi selecionada. Até aí tudo bem. Pessoalmente é melhor para ela e temos que aceitar isso. Ninguém é insubstituível e a sê-lo alguém, não seria certamente ela. No entanto, eu, como responsável máxima da chafarica, sinto-me obrigada a defender o interesse do serviço. E, no interesse do serviço, a funcionária só poderá sair quando passar o testemunho para o sucessor e participar inclusive no fecho do ano económico. Afinal, é a responsável da contabilidade, a mesma que sempre pretendeu encarnar o exemplo máximo de dedicação e zelo. Além disso, eu própria, como dirigente, preciso de garantia da área da contabilidade assegurada sempre, e muito mais nesta altura do ano. Senão, em última instância, eu é que tenho que responder por erros cometidos.

 

Mas esta mesma profissional competente não aceita muito bem a ideia de que tenha que esperar mais umas semanas para sair. E a mim faz-me muita confusão que não entenda a pertinência desta exigência. Uma boa profissional entenderia, or so I think... 

 

Os argumentos utilizados vão da vitimização à chantagem e ameaça velada, do tipo: "Então e se eu ficar doente, como resolvem? Alguém terá que fazer o trabalho." Ou seja, para bom entendedor (neste caso, basta conhecê-la um bocadinho): "Se não me deixarem ir já, posso sempre meter baixa e ficam sem mim na mesma".

 

Nada que eu não estivesse à espera. E disse-lho, que já passou o tempo em que eu deixava coisas por dizer.

 

Pois é. A funcionária exemplar, sempre que há uma fase de mais trabalho ou algum problema surge e é preciso resolver, mete baixa. Poderia dizer "fica doente", mas não acredito que seja isso. Ela sempre foi assim: por vezes quase parece desejar estar doente para ter desculpa para não ir trabalhar. Constrói imensas narrativas à volta da sua saúde e parece acreditar mesmo que está a bater as botas. Ou não, e é mas é uma espertalhona que pensa enganar todos. Parvos são os que vão trabalhar todos os dias, mesmo com úmeros partidos e ciáticas e com os efeitos colaterais de quimioterapias. Parvos são os que trazem as ralações do trabalho para o fim-de-semana. Esses é que são parvos. Tal e qual Halberstam, a personagem do cartoon, que se tornou empregado do ano depois de morrer atrás da secretária em vez de meter baixa médica. 

 

No concerto ("Alservando"... # 1)

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(fonte referida no cartoon)

 

Sabem aquelas pessoas que não conhecemos de lado nenhum e damos com elas a fixar-nos com o olhar parado, a observar algo em nós de forma insistente? Daquelas situações em que, como não conhecemos a pessoa, instintivamente olhamos à volta para confirmar se é para nós que está a olhar? E quando verificamos que é, sentimos vontade de ir lá perguntar: "Passa-se alguma coisa?" Arrepiante, não é? 

 

Pois bem! Se alguma vez passarem por isso... posso muito bem ser eu.  Por isso, antes de começarem a disparatar com a pessoa perguntem: "És tu, Maria? Dá cá um abraço, melhere!" 

 

Efetivamente eu sou muito observadora do que me rodeia. Eu disseco tudo à minha volta e construo até estórias à volta daquilo que vou observando: desde razões para determinados comportamentos, a circunstâncias da vida alheia, a finais felizes ou não,... Até empatia, admiração ou hostilidade crio com quem observo, dependendo do que observo. E tudo isto sem conhecer as pessoas de lado nenhum. Mas não se preocupem, que eu faço tudo isso de forma muito discreta. E quando corre mal, tenho sempre um truque na manga para disfarçar (sou pouco esperta, sou!), nem que seja assobiar para o lado. Resulta sempre. 

 

Se eu fosse a contar todas as vidas observadas só no outro dia (do concerto), tanto na confusão para jantar no Vasco da Gama como no Meo Arena, era matéria para uma dissertação de mestrado. Aquilo era uma autêntica incubadora de estórias. Mas não posso contar tudo, senão nunca mais me visitam, né? Escolho só duas, então.

 

Uma:

 

A da mulher diligente dona de casa, despachada e dedicada a arranjar mesa para ela e para o maridinho que havia de chegar com os tabuleiros de comida já que, pelo aspeto do pintas, pequenino e franzino saltitão, convinha ter tudo orientado assim que ele aparecesse.

Por isso, ela vai e dirige-se a uma mesa com espaço para 4 pessoas, e como se estivesse em casa a pôr a mesa do jantar, retira os tabuleiros usados que ali foram deixados, inclusivamente o que estava à frente do homem que ainda se encontrava sentado na mesa a olhar para o telemóvel.  Assim, sem mais nem menos, como quem diz: "Sai lá daí, que tu já comeste e agora é a minha vez e do meu morzinho!". E ele saiu. Estava mais preocupado em ir ver "The Cure", foi a sorte dela.

Dali a pouco, estava já o casal enamorado instalado em duas mesas encostadas (logo, o espaço de 4 lugares), quando chega um grupo de raparigas que se lhes dirigem a pedir espaço na mesa (educadas, estas pediram.). Sem meias medidas, a (para mim já nesta altura) viril mulher-home, afasta de forma decidida mas com alguma má vontade uma das mesas encostadas para elas se poderem sentar, bem longe do morzinho dela, como se as coitadas tivessem a peste.

Não acompanhei mais a cena porque chegou a hora do concerto. Afinal, a estória da vida daquele casal talvez tivesse mais a ver com domínio dela sobre ele e consequente aniquilamento do coitado do que o que me pareceu à primeira vista. 

 

Duas:

 

A da jovem à minha frente no concerto, que surgiu acompanhada de um homem mais velho, muito delicado e amoroso com ela e que excluí logo que fosse pai e filha. Toda ela era mimo, todo ele era amor. Que romântico! Até me apeteceu dar uma cotovelada ao M, que estava a meu lado sem me ligar nenhuma, enquanto aquele homem lhe acariciava quase em permanência o braço e o ombro que envolvia num abraço quentinho.

Naquele casal, o mundo circula à volta dela, dos caprichos dela, das vontades dela. A não ser o concerto, porque ali era nítido que ela estava por ele e não por ela. Apercebi-me disso quando verifiquei que passou o concerto com alguma hiperatividade. Ora mexia na mala, ora olhava fixamente para o lado, ora para trás.

Pensei:"Eh lá! Esta é das minhas. Fixa o povo em redor, observa tudo. Está a olhar para mim, agora?" Toca de olhar à minha volta, para ver se era comigo a fixação, mas não consegui perceber.

Continua a irrequietude. Saca de uma sandes, que devora com apetite. Olha para trás, muitas vezes. Na cara estampado um sofrimento inexplicável. Pega numa écharpe e coloca à volta do nariz e da boca, que eu imagino estar a fazer beicinho por baixo. Segura com a mão para não cair, compõe um sem-número de vezes, tosse, olha para trás, volta a tossir, encosta a cabecinha no seu amor e ambos colocam as mãos na barriga dela. Estico o pescoço para lhe ver a barriga. Fez-se luz. Estava grávida, daquelas gravidezes que se confundem com uma doença.

Espera aí! Já percebi! Ela está tão inquieta é com o fumo do tabaco. Olho para trás. Exatamente. Lá em cima, em pé, uma fila de pessoas a fumar. Era para aí que ela olhava, como quem dizia: "Vejam bem o que estão a fazer, que eu estou aqui!" Mas, espera. Olho para a sala. Há fumo por todo o lado. Se fossem só os de lá de trás, estava ela bem. Elementos mais presentes: fumo e telemóveis levantados.

Inadvertidamente eu tusso. A asma. Ela olha. Dirige-se ao companheiro e imagino que lhe diz que há ali gente solidária com ela. E eu fiquei muito contente, não sei bem porquê. Acho que senti que aquela espécie de solidariedade podia dar-lhe algum conforto.

Logo me lembrei que, em 5 de maio de 2002, grávida de 6 meses do caçula, estava eu lá em baixo na plateia com o M, em pé, com uma barriga mais proeminente do que a jovem, a assistir ao In The Flesh World Tour, do Roger Waters. E se havia fumo! Fumos! De todos os tipos. Até aromatizados com ervas, se é que me entendem.

Penso que não é permitido, mas efetivamente fuma-se nestes espaços. No entanto, não consta que o meu filho tenha sido prejudicado na sua saúde por a mãe ser doida de ir para o meio da confusão e do fumo assistir a um concerto num dos dias dos 9 meses e um dia que ele viveu em mim. Por outro lado, que hoje adora Roger Waters e Pink Floyd, isso é verdade! Coisa rara na idade dele. Se calhar o que aquela noite fez foi apurar-lhe o ouvido e conferir-lhe algum bom gosto musical...

Oxalá esta grávida soubesse disto e talvez tivesse aproveitado muito mais o concerto. 

 

 

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Maria Mocha é o pseudónimo de uma mulher que, de vez em quando, gosta de deixar os pensamentos fluir pela escrita, uma escrita despretensiosa, mas plena dos sentimentos e emoções com que enfrenta a vida. Assim, as criações intelectuais da Maria Mocha publicadas (textos, fotos) têm direitos de autor que a mesma quer ver respeitados e protegidos. Eventuais créditos de textos ou fotos de outros autores serão mencionados. Aos leitores da Maria Mocha um apelo: leiam, reflitam sobre o que leram, comentem, mas não utilizem indevidamente conteúdos deste blog sem autorização prévia da autora. Obrigada.

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