Blogue pessoal que aborda o universo feminino, maternidade, adolescência, resiliência, luta e superação do cancro, partilha de vivências, vida familiar e profissional... e alguma reflexão com humor à mistura.
Blogue pessoal que aborda o universo feminino, maternidade, adolescência, resiliência, luta e superação do cancro, partilha de vivências, vida familiar e profissional... e alguma reflexão com humor à mistura.
Estão a ver aquele sentimento de alívio que nos invade quando se consegue desbloquear algo complicado? Por exemplo quando se alcança a resolução de um problema desafio no trabalho ao fim de vários dias investidos nisso ou aquele alívio e descarga de tensão depois da adrenalina da preparação e apresentação de um trabalho na escola perante a turma ou num auditório perante uma informada plateia? Aquela altura em que finalmente vamos poder descansar o corpo e o espírito?
Pois... Esse meu sentimento só durou das 16 horas de terça-feira até às 9 horas de quarta-feira. Uma noite, portanto. Ultrapassada a situação anterior no emprego, outro problema ainda mais grave e de difícil resolução surgiu, também no trabalho. Reparem que desta vez não lhe chamo desafio...
Tenho a sensação que há uma força qualquer na minha vida que existe para me lembrar de que nunca posso descontrair. É assim no trabalho, é assim na família, é assim na saúde. Na saúde, então, parece mau olhado! Depois de ultrapassado (até ver!) o cancro de há sete anos e ao fim de quase um ano de quimioterapia e radioterapia e essas coisas todas que curam e matam ao mesmo tempo, apareceu-me rinite persistente, asma, caí e parti o úmero, tive uma ciática, e mais um sem-número de maleitas que vão aparecendo a espaços regulares. Nunca me curvei. Antes digo sempre "Se o cancro não me matou, também isto não me vai matar" ou "Tive cancro. Não tenho medo de nada!".
Tem sido sempre assim. Quando descanso em relação a qualquer coisa, surge outra para me ocupar o cérebro. Talvez isto me livre de alzheimer, pelo menos. Ou então, talvez esta constante necessidade de adaptação seja a forma de a vida me ensinar o conceito de resiliência "the hard way". E, de facto, sou talvez a pessoa mais resiliente que conheço. Sou como a flor que não se verga à adversidade, que se recusa a aceitar não florescer só porque o contexto é desfavorável. Lutadora, nunca baixo os braços nem viro as costas a nenhuma dificuldade, ainda que sofra cá dentro, muitas vezes sozinha.
Esta faceta é-me reconhecida. Mas ser assim cansa...e muitas vezes aos olhos de quem nos rodeia, nós, as pessoas fortes, não precisamos de um abraço, de apoio, de ajuda.
Estou em baixo. Não me interpretem mal. Não sou uma coitadinha. Eu até tenho uma boa vida, acho eu. Sou feliz. Mas tenho a sensação de que tenho uma praga às costas que volta e meia vira tudo do avesso num abrir e fechar de olhos. É só isso.
Já fiz a minha visita anual à casa cor-de-rosa! Eu, que nunca gostei muito de cor-de-rosa, passei a ter esta cor tão intrinsecamente ligada à minha história de vida dos últimos anos…
“Como é que tem andado esta rapariga?”
Reconheci logo a mesma voz doce e ao mesmo tempo incisiva que há cinco anos me disse que eu tinha um cancro na mama. E nessa altura disse-mo sem margem para dúvidas, enquanto as lágrimas já prevenidas me rolavam pela cara. Disse-mo com o sofrimento cansado de quem já deu essa notícia mais vezes do que desejaria. Mas eu até já sabia… Soube-o desde que palpei uma protuberância estranha na mama, algumas semanas antes, deitada na minha cama, sozinha, a recuperar de uma infeção urinária, no dia 26 de abril de 2010. Soube-o desde o início! É mesmo verdade! O nosso organismo avisa que algo não está bem. No meu caso sinto como se o meu corpo, ao obrigar-me a parar e a centrar-me em mim própria, me tivesse criado as condições para eu descobrir o que se estava a passar. Em boa hora o fez!
“Estou viva, doutor!”
Sorriu, enquanto se encaminhava para a cadeira que o esperava ao pé de mim, deitada a aguardar a segunda parte do exame, a ecografia mamária. É nesse momento, nas frações de segundo em que o doutor entra na sala, que eu avalio a sua expressão, vindo de analisar a mamografia já feita. Desta vez pareceu-me logo bem-disposto. Aquietei-me. Quando está enigmático, como aconteceu em 2012, quando tive que repetir a mamografia, o tempo para e os minutos que se seguem são eternos e de um sofrimento atroz. Indescritível! A consciência da hipótese, sempre em aberto, de ter que passar por tudo outra vez é terrível! E essa consciência está comigo sempre, todos os dias da minha vida, desde 2010.
Invariavelmente, de há cinco anos a esta parte, todos os anos por esta altura volto à casa cor-de-rosa. E este dia passou a ser o dia do aperto no coração, o dia em que sou pequenininha, o dia que não me deixa esquecer que a qualquer momento a vida dá uma volta de 180° e, quando menos esperamos, a única certeza que temos é que não valemos nada, não controlamos coisíssima nenhuma, porque o bem mais precioso, que é a nossa vida, não a temos nas nossas mãos. Há cinco anos que tenho que lidar com o sentimento de sobrevivência, um sentimento que me confere alguma sobranceria sobre o comum dos mortais, mas que também me obriga a conviver com um fantasma que me acompanhará o resto dos meus dias. E viver com o fantasma do cancro é tão difícil!… Só quem passou por esta triste experiência é que pode avaliar. Pior do que viver com este fantasma só mesmo sucumbir a ele. E isso eu não posso permitir que aconteça!
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